Uma aluna ia passar um ano no Canadá e queria se acostumar um pouco com o sotaque de lá. Eu expliquei que não havia necessidade, pois sotaque canadense está longe de ser o escocês, irlandês ou - valha-me - australiano (no meu ranking de sotaques o australiano é o último. Não perguntem). Ela insistiu, disse que queria se sentir mais segura, e lá fui eu procurar coisas além de Alanis Morissette e Mandy Patinkin. Encontrei um seriado que se passa em Toronto chamado "Being Erica".
A premissa do seriado é simples: mulher nos seus trinta e pouquinhos, toda fodida, demitida, pé na bunda, família querendo que ela case; conhece um terapeuta que diz que pode ajudá-la. É isso, mas não só isso. O terapeuta é meio estranho (pleonasmo?) e oferece a ela uma oportunidade única: Erica pode listar todos os momentos-chave de sua vida, momentos em que ela fez merdinha, e ela poderá voltar no tempo e mudar aquela situação. Ela só não pode alterar a morte.
E lá vai Erica listar todos os seus grandes arrependimentos, desde os tempos de escola, até os mais recentes. E os episódios vão rolando com um retorno ao passado por vez, onde ela tem a chance de agir diferente e, é claro, enxergar as situações de maneira diferente também. É um sci-fi meio chick flick meio sem noção mas é um bom divertimento.
Passei todos os episódios da primeira temporada refletindo sobre meu passado. Olha, se tem uma coisa que eu realmente faço é refletir sobre o passado, e não é porque não superei algumas coisas, mas porque eu curto mesmo relembrar. Minha cabeça é uma timeline, eu lembro de datas, roupas, situações. Se eu pudesse voltar no tempo, talvez eu mudasse algumas pequenas situações na adolescência porque eu era tão esquista e tão tonta que me irrito só de lembrar. Mas tirando essas situações bobas em que eu daria um fora em quem me tratasse mal, eu não mudaria mais nada.
Minha vida está longe de ser perfeita, mas quem tem uma vida perfeita? Mesmo quem tem uma vida que consideraríamos perfeita acha motivos para achar coisas ruins. Somos todos imperfeitos e assim são nossas vidas. E mesmo com toda essa imperfeição, eu não mudaria nada. Qualquer alteração mínima certamente alteraria tudo, e eu não estaria aqui, hoje, escrevendo esse post.
Talvez eu não desistisse da faculdade, mas e se eu continuasse, e fizesse amigos, e não conhecesse os amigos que tenho hoje? E se eu fizesse aquele intercâmbio, e morasse pra sempre no exterior, e não conhecesse meu marido? E por aí vai. O bullying que sofri, o cyberbullying que sofri, os abandonos, as vitórias, os acertos, os tropeços, os muitos erros me fizeram ser exatamente quem eu sou e me colocaram exatamente onde estou.
Logo mais vou fazer sopa, meu marido vai me ajudar, e vamos assistir "Game of Thrones". Hoje paguei minhas contas todas e ainda sobraram uns caraminguás. Falei de Martin Scorcese pra minha aluna de 14 anos e ela ficou super interessada em assistir alguns filmes dele. Pra uma quarta-feira chuvosa, pós feriado, acho que tá muito bom. Eu podia estar rica, numa ilha paradisíaca, tomando piña colada? Podia. Mas queria estar numa ilha incrível sendo o meu eu de agora, com as pessoas que me cercam agora.
Tá tudo bem, mas não tá perfeito. Tá tudo mais ou menos legal. E pode melhorar. Eu gosto de quem eu sou hoje em dia.