terça-feira, 21 de outubro de 2008

Caio

Eu era apenas uma moçoila de 21 anos. Eu poderia dizer que isso diz muita coisa, mas dizer isso deporia um pouco contra mim por diversos motivos que não vêm ao caso, portanto, completarei dizendo que eu era uma moça de 21, 22 anos, tímida e sem muita noção do meu lugar no mundo. Não que agora eu tenha, mas ao menos eu sei que eu não tenho. Aos 20 e pouquíssimos anos você não tem noção do mundo mas é arrogante o suficiente para achar que tem. Believe me, I know that. E lá estava eu, trabalhando e me preparando uma viagem de trabalho para Manaus. Eu não queria ir porque seria num fim-de-semana e eu estava saindo há umas 3 semanas com um rapaz (igualmente jovem e igualmente arrogante, mas ele era um pouco mais arrogante ainda porque ganhava muito dinheiro para alguém da idade dele. Ou seja, ele era ligeiramente insuportável. E eu achava que gostava muito dele). Imaginem, 3 semanas, já era quase UM MÊS. E um mês já era namoro, na minha cabeça perdida. Como poderia eu passar um fim-de-semana longe do meu quase namorado? Nossa, fim do mundo.

Eu queria ir na sexta e voltar logo no sábado. Porque MANAUS, né, pessoal. It's the end of the world as we know it, essa era minha opinião. O que eu farei em MANAUS sendo que meu docinho de côco estaria aqui, sozinho em São Paulo? Ó. Foi quando meu chefe na época chegou e disse:

- Camilíssima (ele me chamava assim), você vai viajar prum lugar super diferente, pode ver coisas legais, por que não muda a data da volta para domingo à noite? Eu te libero na sexta, aí você também altera sua ida e pronto! Você tem uma viagem diferente de um fim-de-semana em que terá que trabalhar por apenas 3 horinhas. Vai, boba!
- Mas Caio, é que eu comecei a sair com esse cara e aí eu não queria deixá-lo sozinho no fim-de-semana.
- Não quero nem ouvir. Uma menina como você, se enveredar pelos caminhos das idiotas que vivem para um namorado, é um desperdício. Tenha certeza que quando você voltar ele estará te esperando. E, se não estiver, melhor pra você, sinal de que ele é um imbecil. Agora, perder a chance de ver o Rio Amazonas sem pagar nada é um claro sinal de idiotice e eu acredito que você seja diferente.

Ele falava essas coisas sempre docemente e com um sorriso no rosto. E depois falava "vamos ali pegar um café". Caio era irresistivelmente charmoso. Contava casos, ria, falava de escritores, falava das bebedeiras dele e do filho, de quem ele se orgulhava muito. Por causa dele eu fiquei um fim-de-semana inteiro em Manaus e vi o encontro das águas, passeei pela cidade, vi lugares bem diferentes. Voltei picada pelo bichinho das viagens. Algum tempo depois, foi ele quem fez questão de me incluir nos programas de intercâmbio, para que eu tivesse contato direto com americanos - porque ele achava que eu tinha que ter algum tipo de experiência internacional, mesmo que fosse no Brasil. Ele me mandava pro Rio de Janeiro com os gringos mesmo quando eu não precisava ir. Mesmo quando não era parte do meu trabalho. Só porque ele sabia que era bom pra mim. Foi ele quem sugeriu que eu começasse a dar aulas e foi ele quem conseguiu que eu fosse mandada embora, pra ter um dinheiro para começar a carreira como English Teacher.

Eu tinha ele como um pai. Acho que das poucas figuras paternas que tive, foi ele quem mais me ajudou profissionalmente. Na semana passada eu soube que ele faleceu de câncer de pulmão. Eu não tive tempo de me despedir, mas fico feliz que, há mais ou menos uns 10 meses, quando nos vimos pela última vez, eu consegui agradecê-lo por tudo que ele tinha me ajudado. A resposta não poderia ser mais dele:

- Imagine, Camilíssima, você sempre mereceu. Vamos ali beber um drink, almoçar, falar da vida... Me conte, e sua vida amorosa sempre turbulenta?

Eu só acho que o mundo devia ter muitos Caios por aí.

11 comentários:

Ariett disse...

Puxa, me fez chorar, sabia? Gosto da idéia de saber que existem pessoas que mudam a vida da gente pra melhor e espero sinceramente que eu possa ser essa pessoa de alguém.

Loo disse...

chorei [2]

lilla disse...

chorei [3]

o mundo deveria ter muitos caios e todo mundo devia ter direito a um deles passando por sua vida. vc é sortuda e teve. ;~

Carol disse...

Ah, chorei.

:)

Mandy disse...

Ainda bem que vc conseguiu agradecê-lo... :) Não sei mais oq dizer

Eva Miranda disse...

Bonita homenagem, Chu. Ele teria gostado.

(Uia, e você conhece Manaus! Minha cidade!)

[meu blog não é mais do Blogger... www.interney.net/blogs/cintaliga]

Anônimo disse...

Poxa vida... Mas de qualquer maneira é sempre bom lembrar dessas pessoas que marcaram a vida da gente...
Super beijo e saudades!

Madureira disse...

não cheguei a chorar, mas me deu uma vontade irresistível de largar a porcaria do parecer e ver o sol se por tomando nortenha direto da minivaranda. é o que vou fazer agora. faz uma gentileza pra mim? não para de escrever nunca na tua vida, certo?

Madureira disse...

tá, abri a janela, sol já se pôs, arma temporal. mas eu vou tomar uma norteña em homenagem a esse post.

Anônimo disse...

Vira e mexe você faz meus olhinhos encherem de lágrimas. E não são nem 10 da manhã de uma sábado!
Me lembrou um ex chefe meu que era assim, um fofo e me ajudou muito em tempos muito ruins.
Fica bem teacher. Saudadona de tu.

Momento Descontrol disse...

O mundo precisava de MUITO mais Caios.