segunda-feira, 14 de julho de 2008

Sobre quartos e enterros

Chico Buarque fala, naquela música sofrida, que a saudade é arrumar o quarto do filho que já se foi. Sempre achei isso a representação daquela saudade que faz doer, aquela saudade que não é nada saudável e que é a certeza de que você não é mais inteira. Imagine o que é perder alguém muito amado e tentar manter essa pessoa viva mantendo o quarto como santuário, referência, símbolo do apego e da falta de forças de seguir em frente.

É triste. Dói.

Muitas vezes é isso que fazemos com algumas situações em nossas vidas. A gente se apega àquilo. E não deixa ir embora. Os motivos para isso podem ser vários e nem é minha intenção falar sobre eles. Muito menos julgar se esse apego é bom ou ruim. Eu acho que é natural, por um tempo. Mas só por um tempo. Depois você tem que tirar tudo do quarto, arejar, pintar, transformar aquele espaço em algo novo. Porque depois de um tempo, esse apego a algo que já acabou se torna um empecilho. Você segue na vida mas não completamente. Porque o quarto está lá, arrumadinho. Vai que um dia você chega em casa e UPA! surpresa, a pessoa voltou do mundo dos mortos. É tão difícil enxergar com todo o seu coração e a sua mente que isso é impossível...

Dói.

Florentino Ariza, o homem que sempre manteve o quartinho lá, arrumado, paradoxalmente e sabiamente um dia disse que todos os amores vão para o caralho. Triste aceitar isso, mas é a realidade. Pode ser porque o amor acaba ou porque o amor nunca existiu de verdade, pode ser por tédio, pode ser por morte, podem ser muitas as razões que fazem um amor ir para o caralho. Mas ele vai. E não é por causa dessa constatação fria que a gente deixa de viver e querer um outro amor. Não é porque eles se vão que a gente deixa de almejar outro. Diferente, talvez. Mas aí entra, mais uma vez, a história do quarto lá, arrumadinho. Não há quem chegue se você ainda se mantém com um olho no futuro e um pé no passado. Mesmo que esse pé no passado esteja bem escondidinho e amuquiado embaixo da mesa, pra ninguém ver.

Às vezes é preciso que algo impressionante aconteça para que você se dê conta do seu pé embaixo da mesa. E do quarto que estava lá, sendo arrumado. E aí você volta pra casa e destrói tudo. Enterra tudo. Sim, é preciso enterrar.

Porque ninguém quer levar consigo a mortalha do amor.

E há que se seguir em frente. Sem quartos.

7 comentários:

Miru disse...

:~~

Tava pensando esses dias, sobre como as coisas passam e parece que nunca fizeram parte da nossa vida. Claro que em parte, né, a gente sempre sai diferente de uma relação e sempre carrega coisas boas e alguns trauminhas. Mas é estranho... sei lá, no final é o que o Falecido disse um dia "eu só sou mais um cara".

:********

Priscila disse...

Sabe do que eu tenho medo? De esquecer do rosto do meu pai que já se foi há muito tempo. Aí, de vez em quando, eu olho umas fotos. Eu não sei se isso é realmente se apegar ao passado, mas se for, tanto faz.
Mas o engraçado é que a gente faz isso com tudo. A gente não "enterra" de verdade alguém que já se foi, uma situação que já se foi, uma época que já se foi, um sentimento que já se foi.
Mas passa, sabe? Comigo é assim, eu sou a pessoa mais apegada nas coisas que eu conheço. Custo a deixar as coisas irem. Mas como dizia minha avó, "se não for pelo amor, é pela dor", e aí... Aí as coisas vão.
Melhora.
E no fim das contas, eu só pego a foto do velho de vez em quando e descubro que ele foi, mas que não esqueci seu rosto.

Adoro o que vc escreve, by the way.

Um abraço!

Momento Descontrol disse...

No filme da Norah Jones, o Jude Law fica guardando um pote cheio de chaves de pessoas desconhecidas e ela pergunta por que ele não joga tudo fora, e ele diz que nãoi suportaria saber que aquelas portas estariam trancadas para sempre. Mas daí um dia ele reencontra a ex-namorada e ele estava guardando a chave dela, esperando ela voltar. E ela volta e diz "Sometimes, even if you have the keys those doors still can't be opened. Can they?" E ele dá a resposta mais perfeita do mundo: "Even if the door is open, the person you're looking for may not be there".

Anônimo disse...

Amiga..........
Que lindo o seu texto!!!
Amei. Não é novidade que vc escreve super bem. As vezes é difícil esquecer o que já deveria estar esquecido... Eu me pergunto as vezes se fazemos isso de propósito ou se é algo que não temos muito controle...
Acho que mesmo quando já está tudo acabado, a lembrança ainda conforta um pouco... e dar tchau pra sempre é doloroso... Mas concordo que temos que esquecer.
Beijos.

lilla disse...

Eu fico feliz de ter conseguido transformar o quarto num salão de jogos, mesmo com um pouco de medo de brincar. Mas né. Keep walking ;)
*abracinho*

Lia Rizzo disse...

Amor nos tempos do cólera é meu livro preferido. Post lindo...

Caco disse...

Muito, muito boa essa tua reflexão. Penso assim também, mas nunca soube escrever com tanta clareza. hehe
abraço